Educação está fora do mundo digital

Veja reportagem de Natalia Ariede no SP1 da TV Globo

Apenas um terço das escolas brasileiras de ensino básico regular (33,39%) possuem computadores conectados à Internet para uso de seus alunos. Esse dado, revelado por pesquisa feita pela Kairós Desenvolvimento Social nas bases de dados do Censo Escolar 2019 do INEP/MEC, mostra que o sistema educacional está ainda muito distante do mundo da informação e comunicação digital. É uma limitação estrutural para o ensino à distância, que se tornou necessário com a pandemia, já que os recursos digitais não fazem parte do cotidiano, da cultura escolar e dos hábitos didáticos de alunos e professores. É também uma limitação educacional, já que as escolas não podem desenvolver com as crianças e adolescentes abordagens críticas e educativas do uso da Internet, de suas potencialidades e seus riscos.
Sem ter chegado à era digital, a educação brasileira não tem condições nem de usar os recursos existentes, nem de desenvolver análises e discussões críticas com seus alunos. O ensino à distância, como ferramenta auxiliar, virou um improviso, além de os estudantes não desenvolverem capacidades de uso criativo e produtivo da Internet.
A pesquisa mostra grandes disparidades regionais. Enquanto no Rio Grande do Sul 66,3% das escolas dispõem de computadores conectados à Internet para uso de seus alunos (o percentual mais alto do país), no Acre apenas 8,3% das escolas estão nessa situação. No total dos 27 Estados e Distrito Federal, 12 têm percentual de escolas conectadas inferior a 30% e só cinco superam 50%.
Dos 5.571 municípios brasileiros (incluindo Brasília), apenas 542 (9,73%) possuem 100% de suas escolas com computadores conectados para uso dos alunos. São todos municípios pequenos, com número reduzido de escolas (em geral, menos de cinco escolas; somente dezessete dentre eles possuem mais de dez escolas, atingindo no máximo 20 estabelecimentos).
Se for considerada apenas a rede pública de ensino (municipal, estadual e federal) há uma pequena variação para pior. No país todo, o percentual de escolas públicas com computador conectado à Internet para os alunos cai para 31,04%, em lugar dos 33,39% da soma pública e privada.
Para resolver esse enorme atraso digital, não adianta simplesmente comprar computadores e mandá-los para todas as escolas: é preciso ter metodologia de uso, diretrizes educacionais, formas planejadas de integrar a Internet ao processo educacional e capacitação de professores. A escola não deve “se adaptar” ao mundo digital, deve sim integrá-lo como parte de sua metodologia. Sem isso, colocar computadores rapidamente nas escolas vai ser apenas um grande negócio de compra (como o FNDE tentou fazer recentemente), mas não uma solução efetiva.
Isso exige educadores capazes de fazer uso crítico e criativo da Internet. Não apenas “operar”, “saber usar computador”, mas ter condições de discutir, mostrar como o mundo da Internet funciona, orientar pesquisas, discutir resultados. A realidade do corpo docente hoje está longe disso. Por exemplo, pesquisa recente feita pelo Instituto Península mostra que 83% dos professores reconhecem estar despreparados para uso de ferramentas digitais e 67% declaram sofrer quadros de ansiedade frente à necessidade de usar a Internet para dar aulas virtuais durante a pandemia.
Da mesma maneira que existem diretrizes e conteúdos curriculares para as disciplinas tradicionais, é preciso definir diretrizes e conteúdos para a integração da Internet ao processo educacional. Como são produzidas as informações? Onde elas estão? Como são financiadas? Como reconhecer fake news? Quais os riscos pessoais e legais para uma criança ou adolescente? etc. etc. E como utilizá-la: aulas específicas ou ferramenta transversal, ou ambos?
Não usar Internet é um sintoma explícito do atraso do sistema educacional. Mas uso da Internet, por si só, não melhora a qualidade da educação. A educação formal é indispensável para o uso produtivo, criativo, crítico da Internet. A chamada “inclusão digital” como processo de treinamento instrumental e acesso a computadores é um mito que precisa ser criticado. Não se pode pensar isoladamente a inclusão digital, ela deve ser parte de um processo formativo na escola. Ou a escola domina e integra a Internet ou a Internet vai atropelar (já está atropelando) e escola. E mais uma vez é preciso insistir de que isso depende de investimento, preparação e capacitação dos professores.
Os dados desta pesquisa mostram, assim, uma questão estrutural para modernização e avanço do sistema educacional brasileiro. Exige planejamento e visão sistêmica, definição de estratégias pedagógicas e operacionais para modernização do sistema de educação. Muito mais do que colocar computadores nas escolas, trata-se de colocar as escolas na era digital.

Escolas com computadores e Internet para uso de alunos

UFEscolasCom acesso% com acessoSem acesso% sem acesso
Rio Grande do Sul5.9413.94466,391.99733,61
Santa Catarina3.2892.06462,751.22537,25
Mato Grosso do Sul1.14171362,4942837,51
Paraná6.0503.72261,522.32838,48
São Paulo15.7998.45453,517.34546,49
Minas Gerais10.6445.00146,985.64353,02
Mato Grosso2.01991445,271.10554,73
Distrito Federal92541344,6551255,35
Goiás3.5431.51442,732.02957,27
Espírito Santo2.19293142,471.26157,53
Rio de Janeiro8.3453.00035,955.34564,05
Ceará6.0602.17835,943.88264,06
Tocantins1.31447135,8484364,16
Rondônia1.00835735,4265164,58
Rio Grande do Norte2.79384930,401.94469,60
Sergipe1.81351828,571.29571,43
Piauí3.67994425,662.73574,34
Alagoas2.50060924,361.89175,64
Paraíba4.18098623,593.19476,41
Pernambuco7.4101.67522,605.73577,40
Roraima66715022,4951777,51
Amapá72613819,0158880,99
Bahia14.2362.10414,7812.13285,22
Amazonas4.84959212,214.25787,79
Pará9.7429739,998.76990,01
Maranhão10.2189128,939.30691,07
Acre1.4061178,321.28991,68
Brasil132.48944.24333,3988.24666,61